sexta-feira, 31 de julho de 2009

O Quase secular futebol de São Bernardo


Foto: Equipe do E.C.São Bernardo - Anos 60 - No velho Estádio Ítalo Setti

Foto: Equipe do Palestra de São Bernardo em 1950.


Em praticamente 20 anos de residência em São Bernardo do Campo, constatei algo básico: A Nossa população é “rotativa”. O que isso significa? Simples: Os São-Bernardenses de outrora, que fundaram a maioria das instituições tradicionais da cidade já morreram. Suas famílias, que nessa antiga cidade tinham grande influência nos acontecimentos e na vida pública, tiveram a sua importância muito reduzida com o acelerado crescimento populacional, e a maioria dessas grandes instituições, ou sucumbiu, ou sobrevive em condições precárias.

E este é o caso de nosso futebol.


Podemos afirmar que o futebol no Brasil nasceu em São Bernardo. Afinal, em fins do Século XIX, quando foi concluída a Vila de Paranapiacaba (Alto da Serra), os ingleses já tinham ali um campo de futebol, e já praticavam o esporte (mesmo com regras distorcidas) antes da primeira partida realizada em São Paulo, por intermédio de Charles Miller. E Paranapiacaba pertencia a São Bernardo.



Mas o futebol chegou aos principais núcleos urbanos do velho município, creio eu, por meio da influência da própria Capital, nos anos 10, quando aqui proliferavam equipes, principalmente em São Caetano, Santo André e São Bernardo. Desta época são os clubes pioneiros de nossa região: São Caetano Esporte Clube e Primeiro de Maio Futebol Clube. Em São Bernardo, o esporte organiza-se de verdade em fins da década de 1910, e início da década de 1920. Nesta época nascem duas grandes equipes: A.A.Internacional e A.A.São Bernardo.



Mas, as duas equipes, que nasceram do futebol de várzea de São Bernardo, tiveram vida efêmera, e já não mais existiam na metade da década de 1920. A “Villa” de São Bernardo ficava sem representação futebolística, e voltava-se para a várzea. Enquanto as equipes dos na época distritos de São Caetano e Santo André cresciam.



Aqui, organizava-se uma boa competição. O Clássico dos “de cima” contra os “de baixo”. Alguns afirmam que os “de cima” eram os moradores da atual Rua João Pessoa, e de todas as outras que estavam “para o lado de cima” da Igreja Matriz. Desta forma, os “de baixo” eram os que habitavam a porção da vila que estava logo abaixo da igreja, nas Ruas Padre Lustoza, Rio Branco (em suas porções inferiores) etc.

Outros afirmam que “os de cima” eram os que habitavam a Rua Marechal Deodoro em sua porção “acima” da Igreja Matriz, no sentido do atual Ferrazópolis. E que “os de baixo” eram os que habitavam a porção inferior da rua em relação a igreja, a porção que ficava em direção ao atual Paço Municipal. Seja lá como for, esta era uma divisão criada apenas para existir a formação de times completos, que pudessem se enfrentar, e não uma divisão motivada pela rivalidade ou por outras questões. E era assim que o futebol da cidade ía vivendo.



Certo dia, ao observar uma dessas partidas, Dante Setti imagina a criação de uma única equipe, que pudesse representar a “sua São Bernardo” nos gramados. Um clube “grande”, e que mobilizasse toda a torcida em torno de um único representante. E Juntamente com Vicente Ragghianti e Itagiba de Almeida, a idéia é levada a frente, e em 3 de Fevereiro de 1928, no Cine São Bernardo, realiza-se uma assembléia que objetivava a fundação de uma nova agremiação. A Platéia se divide entre antigos torcedores do Internacional e da Associação Atlética, que sugerem vários e vários nomes, até que vem a proposta mais coerente: Se é para representar a cidade, o time teria que se chamar São Bernardo! E assim foi! Em 3 de Fevereiro de 1928, funda-se o “Sport Club São Bernardo”, com o negro e o branco em seus uniformes.



Nascia então uma grande equipe, grande e vencedora. O São Bernardo defendeu o orgulho dos moradores da velha “Villa”, transformando-se em uma equipe imbatível, odiada por Sancaetanenses e Andreenses, que depreciavam a vila por seus aspecto rural, que contrastava com a paisagem urbana dos dois distritos, mas que no futebol, nada conseguiam contra os “batateiros” de São Bernardo.



O “Reinado absoluto” do São Bernardo como a única agremiação da cidade, como sonhava Dante Setti, durou até 1935. Em 1935, Alfredo Sabatini, filho de Samuel Sabatini (dono de um armazém) e que era jogador do São Bernardo, foi preterido de um jogo da equipe fora da cidade, sem aviso prévio, o que provocou revolta em Alfredo e em seu pai, que resolveram fundar uma nova agremiação para “bater neles”. “Neles” era o São Bernardo.



Desta forma, nasce em 1º de Setembro de 1935 o Palestra Itália de São Bernardo. O Palestra tinha a pretensão de ser uma “pedra no sapato” do São Bernardo, mas nunca conseguiu esse feito, a rivalidade, que era até grande, não se difundia muito, pois na pequena cidade de então, todos se conheciam, e muitos jogavam pelas duas equipes. Assim, a rivalidade geralmente durava 90 minutos, e depois deles, geralmente quem comemorava era o São Bernardo. Historicamente, a vantagem alvinegra nos clássicos é imensa, e no entanto, isso nunca provocou o desdém dos torcedores do São Bernardo, ou do “Sport”. Cria-se em São Bernardo um novo sentido para a rivalidade futebolística, uma “rivalidade solidária”, pois Palestra e São Bernardo sempre dependeram um do outro, e movimentavam o futebol da cidade. Assim sendo, essa “solidariedade” foi demonstrada em diversas oportunidades, a principal delas talvez, tenha ocorrido nos anos 50, quando o Palestra perdeu o seu campo na atual Praça Lauro Gomes. Ali, a equipe alviverde correu risco de extinção, mas o São Bernardo cedeu o Estádio Ítalo Setti (que ficava no cruzamento da Rua Marechal Deodoro com a Avenida Francisco Prestes Maia) ao rival, para que ele não encerrasse as suas atividades.



Nos anos 40, Getúlio Vargas obriga a nacionalização de todas as instituições estrangeiras, e os clubes que representavam colônias, tiveram que acatar a nova lei. Assim o Palestra Itália da Capital virou Palmeiras. O Hespanha de Santos virou Jabaquara, o Germânia da Capital virou Pinheiros, e o Palestra Itália de São Bernardo... Tirou o Itália e continuou Palestra! Obviamente isso ocorreu pela pequena projeção que a equipe de São Bernardo possuía, mas é bom lembrar que os dirigentes do alviverde procuraram o temido DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda do Governo Vargas, preocupados com a nova lei, e receberam sinal verde para prosseguir com o nome Palestra, coisa que o “primo rico” da Capital não conseguiu.



Em fins dos anos 60, o São Bernardo também perde o seu campo. E a partir daí, as duas equipes que já trilhavam o profissionalismo desde 1950, começam a “descer a ladeira”. O Próprio São Bernardo acabou se afastando das competições profissionais, e o Palestra também, depois de algumas tentativas de permanência. Tudo se concentrava no amadorismo, e no esporte amador. No basquete por exemplo, o São Bernardo fez fama com jogadores que são referência para o esporte no Brasil.


Em fins dos anos 70, uma equipe amadora da cidade desperta atenções, era o Aliança Clube do Rudge Ramos, campeão do “desafio ao galo” (o maior torneio de futebol amador do Brasil até pouco tempo atrás) acaba aderindo ao profissionalismo, e desponta como o principal clube da cidade na época (era a grande pedra no sapato do Palestra nos campeonatos amadores da cidade – o São Bernardo vivia péssima fase no futebol, que estava praticamente inativo). Ainda nos anos 70, o Aliança conquista o troféu ACEESP (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo) e bate ás portas da primeira divisão do Campeonato Paulista, foi por pouco, mas muito pouco, que São Bernardo não viu o seu primeiro clube disputando a principal divisão do futebol Paulista.

No entanto o Aliança era uma mera equipe de várzea, sem patrimônio nenhum, e em fins dos anos 70, o São Bernardo absorve a equipe de Rudge Ramos e volta ao profissionalismo. Nos anos 80, em pelo menos duas oportunidades, o “Sport” esteve ás portas da Série A1. Estas foram e são até hoje as melhores colocações conquistadas por uma equipe de São Bernardo do Campo no futebol. O Palestra, vivia dias difíceis, mas fazia sucesso no campeonato amador da cidade, e os jogos, os clássicos entre as duas equipes ainda lotavam o Baetão!


Nos anos 90, o São Bernardo vai aos poucos desaparecendo das competições profissionais, e em 2002 faz a sua última participação, participação vergonhosa, diga-se de passagem. Em seus últimos tempos, o público já rareava, e poucos se lembravam do passado de glórias da equipe.


O Palestra, está aí até hoje, disputando a quarta divisão do campeonato em um de seus melhores anos, graças a uma feliz parceria com o Santo André, herdeiro dos grandes (e massacrados) rivais dos São-Bernardenses.
Perdeu-se no tempo e na memória de nossa população um dos mais tradicionais clássicos do futebol de São Paulo.


Para saber mais sobre o São Bernardo: www.qsl.net/pu2tjq/ecsb
Para saber mais sobre o Palestra: www.freewebs.com/palestrasb

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Um Trem Passou por aqui...

Photobucket
Foto: Planta do Nova Petrópolis (Clique para ampliar) com as linhas de bonde.


1921: A Saturação dos bairros operários da Capital Paulista, acelera o crescimento do antigo Município de São Bernardo, cortado pela São Paulo Railway, e com grandes terrenos (baratos se comparados aos da Capital) a disposição. Fator que atraiu um sem número de indústrias, principalmente para os Distritos de Santo André e São Caetano, atravessados pela linha férrea, e mais próximos a Capital.



Estes dois distritos já contavam na época com uma grande população, e movimentavam praticamente 86% da economia do Município de São Bernardo. A Vila de São Bernardo (atual S.Bernardo do Campo) ás margens do esquecido Caminho do Mar, assim como a estrada, caiu no esquecimento, e continuava concentrando apenas uma boa parcela de produtores rurais, a indústria moveleira, que já era forte na época, e apenas alguns estabelecimentos fabris. Praticamente nada se comparado aos dois bairros que na época eram os “primos ricos”.



Com as grandes indústrias, forma-se uma classe operária poderosa na região (numericamente poderosa, não financeiramente) que padece com os problemas de infra-estrutura, mal administrados pelo governo municipal. A Falta de saneamento, de calçamento, de redes para distribuição de água, além de outros itens, abre espaço para a especulação imobiliária também no campo residencial, o que dá início a formação de vários loteamentos pelo vasto território (806Km2) do velho município.



Photobucket

Neste ano, os irmãos Hippolyto Gustavo Pujol e Ernesto Pujol, que já eram proprietários de terras na região, formam uma empresa com sede na Praça da Sé, na Capital Paulista: A EISB – Empreza (grafia da época) Imobiliária de São Bernardo, que conforme a tendência da época, inicia a formação de loteamentos baseados no conceito de “cidade jardim”. O Primeiro empreendimento começa por uma área de 6 milhões de metros quadrados, entre a Estação de São Bernardo (Santo André) e São Caetano. Nesta área, são formados os loteamentos dos atuais bairros Industrial, Operário, Jardim, Campestre, Santa Maria, Saúde, e Utinga. Todos com destinos bem específicos.



Jardim, Campestre e Utinga, eram destinados a moradias para a classe mais alta da população. Operário, Santa Maria e Saúde – para a moradia mais popular, formada pela própria classe operária. E Industrial, que margeava a ferrovia (Avenida Industrial) para empreendimentos industriais. Todos estes bairros alcançaram desenvolvimento formidável, e estão entre os melhores bairros de Santo André e São Caetano até hoje.



Mas a Vila de São Bernardo também recebeu o seu loteamento em 1925. Em uma área de 3 Milhões de metros quadrados, nasce o Nova Petrópolis, que assim como o Bairro Jardim, também era destinada a uma classe mais alta. O Nova Petrópolis ocupou uma bela colina que se localizava “atrás” do atual Centro de São Bernardo do Campo. Ruas largas e calçadas, redes de esgotos, redes de água, tudo pronto no loteamento, que também era inovador em termos comerciais, pois seus lotes eram vendidos diretamente aos interessados.



PhotobucketAlém disso, a EISB também oferecia o seu próprio sistema de transportes, entre os loteamentos que constituíra, ligando estes ás estações ferroviárias de São Caetano e São Bernardo. Era uma pequena ferrovia, um sistema de linhas de bondes, operados por bondes a gasolina da marca Renault, e que contava também com uma pequena locomotiva a vapor, que só era utilizada na Vila de São Bernardo.



Existia uma linha que ligava a Estação São Bernardo e a Estação São Caetano, passando pelos bairros constituídos pela EISB, passando pela atual Avenida D.Pedro II em Santo André, e dando uma volta por dentro dos bairros, atingindo a Estação São Caetano.



Já na atual São Bernardo do Campo, a linha férrea fazia o percurso aproximado da atual Avenida Pereira Barreto. O Traçado aproveitava os vales do Rio dos Meninos e do Córrego Taioca antes de percorrer a grande elevação da avenida após a atual divisa com Santo André, alcançando a estação ferroviária. Em São Bernardo ela entrava dentro do Nova Petrópolis, passando pela atual Avenida Wallace Simonsen, fazendo uma volta pelo bairro, e retornando a Rua Marechal Deodoro pela Avenida Imperatriz Leopoldina. Ela percorria todo o trecho movimentado da Rua Marechal Deodoro, passava em frente a Praça da Matriz, e tinha a sua estação final nas proximidades da atual Praça Lauro Gomes.



PhotobucketA Linha também contava com uma pequeno ramal que atendia a Fábrica de Móveis Pelosini. E era para este serviço que a EISB usava sua pequena locomotiva a vapor, uma legítima “Maria-fumaça” em miniatura, que por vezes rebocava o bonde com destino a Santo André. Em 1925, a linha significava uma importante integração com o Distrito de Santo André, e diminuiu consideravelmente a dificuldade que os São-Bernardenses enfrentavam para atingir a atual estação Santo André.



Em 1929, com a quebra da bolsa de Nova Iorque, e com o declínio da economia cafeeira, a EISB fecha as portas e encerra as suas atividades. O Transporte é paralisado, e posteriormente os trilhos são arrancados da Rua Marechal Deodoro e de toda a cidade. Para substituir o velho bonde, começam a surgir empresas de ônibus que fazem a ligação entre S.Bernardo e Santo André, pioneiras das atuais empresas que ainda fazem o mesmo trajeto, agora em ônibus modernos, de última geração.




PhotobucketPraticamente 80 anos depois, se cogita uma espécie de bonde moderno (o VLT) para ligar São Bernardo a Estação de São Caetano, e revive-se o velho bondinho. Sinal dos tempos! Será que sai ou fica só na promessa?

Aguardaremos.



Bibliografia e imagens: SPR – Memórias de Uma Inglesa – Moysés Lavander Junior e Paulo Augusto Mendes.

domingo, 26 de julho de 2009

DER – Uma favela no coração da cidade

Quem é de São Bernardo, certamente já ouviu falar ou já esteve, ou até mora no chamado “DER” ou “favela do DER”. Como a palavra “favela” se tornou ofensiva, vou procurar restringir o uso dela neste texto.



Para quem passa pela Via Anchieta, e não tem contato com a cidade, o DER é o conjunto de casas humildes que pode ser avistado do lado esquerdo da pista, no sentido de quem vem da Capital e segue em direção a Santos.



Por dentro da cidade, o DER margeia todo o Centro, desde o Estádio Primeiro de Maio, até a Rua Newton Prado. Mas aí surge a pergunta: Como deixaram isso acontecer em pleno centro de São Bernardo do Campo?



A Resposta é histórica! Voltemos a década de 1930. Durante o início dela, já se discutia fervorosamente a idéia da construção de uma nova via entre São Paulo e Santos, pois o antigo Caminho do Mar, pavimentado em seu trecho de serra em 1922, já não suportava o tráfego pesado. Além disso, era sinuoso e perigoso, em seu trajeto antigo, “dependurado” na encosta da serra do mar. Em 1940, começam as obras de uma rodovia que iria se tornar um marco da engenharia brasileira, e um divisor de águas na história de São Bernardo do Campo: A Via Anchieta. Partindo do Ipiranga, em pista dupla, ela atravessava suavemente o planalto, e rasgava a serra do mar com curvas consideradas na época extremamente suaves. Além disso, o seu trecho serrano tinha um aclive/declive muito suave se comparado ao do Caminho do Mar, uma verdadeira pirambeira!



Para construir a rodovia, um verdadeiro exército de trabalhadores foi mobilizado pelo Governo do Estado de São Paulo, trabalhadores vindos de todas as partes construíam estradas de serviço que se tornaram avenidas da cidade, e rasgavam a nova via que escoaria o produto de São Paulo rumo ao porto. Travava-se aqui uma epopéia semelhante a da construção da São Paulo Railway no século XIX.



Como a obra exigia atenção durante 24 horas, acampamentos foram construídos para os funcionários, e um dele, no atual km 20 da rodovia – o acampamento do DER. Porque DER? DER é a sigla do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo. Neste acampamento, em casas de madeira, algumas com quartos “comuns” ou coletivos, e em outras menos modestas, estes operários vindos de vários pontos do país encontraram a sua morada durante as obras da nova rodovia. Na época, o centro de São Bernardo ainda não tinha chegado até as proximidades do acampamento, e ficava restrito ao entorno da Praça da Matriz.



Em 1947, é inaugurado o trecho de planalto da Via Anchieta, entre o Ipiranga (Sacoman) e o Alto da Serra. A Descida da serra era feita em mão dupla. A segunda pista, como já citei em outro texto, seria inaugurada apenas em 1953.



Com a inauguração da rodovia, o Departamento de Estradas de Rodagem só esqueceu de uma coisa: Providenciar um destino para os operários. Sendo assim, a maioria optou por viver ali mesmo, no acampamento. Alguns voltaram. E os que ficaram trouxeram ou constituíram as suas famílias. Durante os anos 60, o local vive a sua primeira expansão, assim como a própria cidade, que já crescia vertiginosamente. Nos anos 70, um verdadeiro “boom”. Neste período, e durante os anos 80, a violência marca a comunidade. Nestes anos, o DER assustava com os seus índices de criminalidade.



Nos anos 70 e 80, as casas (alojamentos) do antigo acampamento, já estão em condições precárias, e totalmente cercados por outras habitações, casas de gente humilde, construídas sem o mínimo de planejamento urbano, e que configuraram um dos maiores problemas de habitação da cidade neste período (ao mesmo tempo, os morros verdes que cercavam a cidade também são dominados pelas favelas, conseqüência do “sonho” provocado pela expansão da indústria automobilística, que com a crise dos anos 80, fez muita gente comer o pão que o diabo amassou em São Bernardo).



No fim dos anos 70, Centro e DER já estão “colados” um ao outro. Nos anos 90, a comunidade vive a sua última grande expansão, no sentido da Via Anchieta. No fim dos anos 90, o CDHU, companhia de habitação do governo do estado, inicia uma parceria malfadada com a Prefeitura de São Bernardo. Poucas unidades habitacionais foram concluídas na tentativa de resolver o problema da habitação desordenada do DER, e claro, de suas áreas de risco.



Hoje, a violência já não marca mais o DER, que de um “bico” do Centro encravado ás margens da Via Anchieta, passou a ser atravessado por vias importantes e a ter acessos a outros pontos da cidade. No entanto, sua população ainda aguarda soluções por parte da prefeitura em matéria de educação, transporte coletivo, habitação e saúde pública.



O DER, foi a primeira favela de São Bernardo do Campo, e surgiu por um mero acaso, se expandiu desordenadamente como grande parte da cidade, e hoje espera por soluções que ponham fim a triste sina do lugar. Que dias melhores venham para a comunidade!

sexta-feira, 24 de julho de 2009

70 Anos de "jornalecos"

* Hoje não tem foto!

Na década de 1930, os jornais se tornam um veículo de informação com uma abrangência mais popular, e ganham as pequenas cidades, depois de já terem há muito ganho as grandes. A Circulação dos jornais é que era diferente: Nestes tempos, era semanal (o mais comum em nossa região), quinzenal, ou até mesmo mensal.

Com a popularização das tipografias, jornais pululavam até mesmo em São Bernardo, na grande São Bernardo de outrora (sem o “do Campo” – que englobava todo o ABC). E da mesma forma que estes jornais apareciam, eles desapareciam, do dia para a noite, sem deixar vestígios, e também sem deixar lamentos profundos.

Na Época, ainda não era muito ventilada a idéia de “liberdade de imprensa” ou de “imprensa parcial” (conceito bastante discutível – inexistente aliás). Certas correntes da sociedade viam nos jornais uma oportunidade de propagar as suas idéias, lutas, reivindicações, e claro, os seus candidatos.

Com exceção feita aos grandes jornais, que já circulavam na época, a imprensa era literalmente “marrom”, e trabalhava em benefício de alguém, geralmente um político ou um partido. Assim foi com vários periódicos que circularam pela nossa região, cito: “O Imparcial”, “O São Bernardo” (depois “O Santo André”), “Borda do Campo”, entre outros. Nessa velha São Bernardo, a política se dividia em duas frentes: Flaquistas, ou seja, adeptos dos familiares do velho “coronel” Fláquer – E os “outros”. Os outros, eram os que tinham predileção pela corrente política oposta a dos Fláquer, esta, variava conforme a época. Em determinado período, ainda existiram os comunistas (que elegeram Armando Mazzo como prefeito de São Bernardo pelo PCB – Mazzo ganhou, mas foi cassado, nunca assumiu, e foi o único prefeito eleito pelo PCB) e os integralistas, militantes de extrema direita, seguidores da “sigma” de Plínio Salgado e de um movimento com fortes inspirações fascistas. Estes dois últimos travavam batalhas nas ruas dos distritos de São Bernardo de forma corriqueira. Quando acontecia, socos, pauladas e cacetadas sobravam para quem estivesse no meio.

Era comum então, os Fláquer dominarem um ou mais jornais, e os opositores, algum outro. Enquanto uma corrente dominava a política da região, seu periódico distribuía elogios e gentilezas à administração pública – geralmente usando palavras como “progresso”, “labor”, “valor”, “virtudes” e outras mais – um puxa-saquismo enfadonho.


Já a outra corrente, a opositora, criticava ferrenhamente a administração, e não poupava ninguém! Para os opositores, São Bernardo vivia em uma espécie de idade média – Tudo por aqui se resumia em trevas, obscuridade, atraso, corrupção, etc. E assim se fazia o revezamento, conforme a corrente dominante.


Algumas brigas se tornaram famosas, e célebres. Como a briga que se travou entre o periódico editado em Santo André, e o periódico pró-autonomia de São Bernardo. Enquanto um dizia que a retomada da autonomia em São Bernardo condenaria aquela vasta porção de terra ao atraso, o outro exaltava os emancipacionistas, conclamando os São-Bernardenses a lutar pela liberdade. Isso em 1943/44. Quando São Caetano resolver se separar de Santo André (São Caetano brigava por sua autonomia desde a década de 1920), lançou-se o Jornal de São Caetano, propaganda oficial dos autonomistas. Enquanto isso, a Família Fláquer bombardeava contra a autonomia de São Caetano nos jornais Andreeenses, usando os mesmos pretextos e palavras: Atraso, aumento de impostos, etc. Quando o “Estado Novo” de Getúlio Vargas entrou em vigor “pra valer”, a atuação do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda começou a atuar fortemente e até a encorajar o “empastelamento” de jornais opositores ao regime de Vargas – pra quem não sabe, empastelamento era na prática a depredação da redação do jornal que era considerado “inimigo”. A Prática era mais comum no início do Século XX, mas se arrastou por um longo período até cair no esquecimento.


Com a atuação do DIP, os “jornalecos” do ABC caíram no esquecimento, comunistas e integralistas foram colocados na ilegalidade, e esse regime praticamente ditatorial colocou uma mordaça em nossa imprensa regional. Se por um lado a atitude trouxe paz ao ABC de outrora, ela também tirou o costume de se envolver em política que existia na região. A Política era discutida em todos os ambientes, e como a ditadura (silenciosa) imperava, e um único regime/partido vigorava, não havia mais o que se discutir.

Mesmo assim, muitos “caciques” da região continuaram desfrutando de poder, afinal, essa manobra é conhecida: Torne-se amigo do ditador, leve o seu apoio e o apoio de seus correligionários que ele certamente te dará “benefícios”. Entendeu? Claro que entendeu!


Dos anos 30/40 até hoje, já se vão mais de 70 anos. E Hoje, ao circular pelo meu bairro, consigo um “exemplar gratuito” de dois periódicos que circulam em São Bernardo do Campo, na São Bernardo do Campo de 2009, do Século XXI. No Primeiro que começo a folhear, com um cabeçalho onde a cor vermelha domina: Elogios rasgados a administração municipal. Quem o lê, acha que São Bernardo vive um período iluminista, bonito, colorido. A População nunca foi tão feliz! Já no outro, dominado pelo azul e pelo amarelo: Críticas, corrupção, violência, falta de moradia. Mas será que ambos falam da mesma cidade? E não é que falam!


Realmente. A Nossa mídia não mudou nada em 70 anos.


* Antigamente a população sabia a quem os “jornalecos” serviam, mas hoje... Acredita em qualquer coisa... Seja de que lado ela venha.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O São-Bernardense vai ao cinema!


Foto: Cine Enrico Caruso, depois Cine São Bernardo -
antes da reforma. Foto dos anos 30 - autor desconhecido

São Bernardo, início dos anos 20 do Século XX.


Um lugarejo pacato e rural, que ainda não havia despertado para o que conhecemos como “progresso”. Uma viagem à Capital, era demorada e cansativa, afinal os sacolejos dos antigos caminhos de terra que ligavam as duas localidades, não eram domados com facilidade. Rádio? Um artigo de luxo, que ainda dava os seus primeiros passos no país. Neste tempo, ainda não existia nenhuma emissora de rádio no Brasil.



Foto: Cine Enrico Caruso - Depois Cine São Bernardo. Imagem da parte interna.

Saber “das coisas” era algo complicado. As notícias eram propagadas pelos poucos jornais que circulavam na época em São Bernardo. A Maioria deles, quinzenais ou mensais, e geralmente meros veículos de propaganda ligados a determinados partidos políticos, ou a “caciques” de nossa região.

Vivia-se uma vida bastante restrita no quesito “informação”.

Mas, uma moda vinha se espalhando rapidamente pelo país desde o início do Século XX: O Cinema, ou cinematógrafo.

Na Capital, as salas de cinema multiplicavam-se rapidamente, e a grande “febre” possibilitou a abertura de salas menores ou mais modestas, em vilas, bairros e cidades do interior, a baixos custos, para o deleite da população.

Em São Bernardo, não foi diferente. No início da década de 1920, inaugura-se a primeira sala de cinema da cidade: O Cine Enrico Caruso, na Rua Marechal Deodoro (nº1229). Uma típica sala de cinema interiorana, com capacidade pequena, cadeiras duras, e poucos luxos. No entanto, em um lugar onde as novidades sempre demoravam muito mais para chegar, a nova atração teve sucesso estrondoso!

Além de sediar exibições de filmes, inicialmente mudos, e geralmente com temas que agradavam a grande colônia italiana da cidade (o próprio nome do cinema – Enrico Caruso – é homenagem a um grande personagem italiano) a sala também sediava encontros importantes da comunidade São-Bernardense. Neste cinema, foi fundado o Esporte Clube São Bernardo em 1928, e ali, vários bailes e outros eventos beneficentes ou não “agitavam” o pequeno núcleo de moradores.


O Cinema Enrico Caruso teve vida longa, e mudou de nome algumas vezes. Embora o tenor Italiano tenha emprestado seu nome à sala inicialmente, este cinema ficou mais conhecido por “Cine São Bernardo”, nome que ostentou por mais tempo, sendo o mais antigo cinema da cidade. Em 1952, ele passou por uma grande reforma, pois São Bernardo (do Campo) crescia, a população aumentava, e a concorrência já existia. Vale ressaltar que após a reforma, o antes acanhado cinema passou a contar com uma capacidade para 1.100 espectadores.


Falando em concorrência, o Cine São Bernardo recebeu a grande reforma em 1952 quando foi comprado pela Empresa de Cinemas Eldorado, que já era dona do maior e mais novo cinema da cidade, e talvez, o mais famoso e emblemático: O Cine Anchieta, localizado na mesma Rua Marechal Deodoro, mas no nº 919. O Cine Anchieta tinha linhas modernas para a época, instalações amplas, e capacidade para 2069 pessoas! Está certo, 2069 pessoas na época, não era nenhum “colosso” de cinema. Até mesmo Santo André e São Caetano tinham cinemas maiores como o Vitória (S.Caetano) e o Tangará (Sto.André), mas o Anchieta era o maior de São Bernardo e isso bastava!


Foto: Fachada do Cine Anchieta, na Rua Marechal Deodoro. O Maior da cidade!

Na década de 1950, as salas de cinema ainda estavam a pleno vapor, pois apesar do rádio e dos jornais já serem objetos corriqueiros de informação, a televisão ainda engatinhava, e assim como o rádio nos anos 20, ter um aparelho de TV na década de 50 era luxo para poucos!

O Cinema era então o meio de comunicação visual das massas. Antes dos filmes, eram exibidos “cine-jornais”, geralmente pequenos documentários sobre uma partida de futebol, ou até sobre fatos desatualizados, mas que eram acompanhados com atenção total por conta da imagem, o grande diferencial!

O Problema dos cinemas “de rua”, eram a pequena quantidade de salas. Enquanto hoje, cinemas de shoppings possuem até 15 salas, o cinema de rua possuía apenas uma, o que limitava a quantidade de filmes a serem exibidos. Os cinemas que possuíam “balcões” (aquela arquibancada superior, acima da platéia) ainda conseguiram por meio do fechamento destes, a criação de mais uma sala, mas os que não tinham restringiam a exibição de filmes e iam perdendo espaço para os cinemas dos shoppings.

No Entanto, São Bernardo resistiu mais tempo a essa tendência, pois aqui os shoppings tardaram um pouco a chegar. Mas, nos anos 80, com a popularização dos vídeo-cassetes, nenhum destes tradicionais cinemas da cidade resistiu. Uma pena!

O Cine São Bernardo foi totalmente demolido, em seu lugar existe um conjunto de edifícios/lojas. Já o Cine Anchieta, foi fechado, mas seu prédio existe até hoje, ocupado por uma famosa loja, quase na esquina com a Avenida Prestes Maia.

Mas e os bairros?

São Paulo, a nossa capital, assim como as demais cidades do ABC, tinham bairros maiores do que os de São Bernardo, e por este motivo, concentravam grandes salas de cinema, deixando as mais luxuosas para o centro da cidade. O único grande bairro de São Bernardo, na época, era o Rudge Ramos (ou “Meninos”) que ganhou uma respeitosa sala de cinema própria: O Cine Boreal.

Foto: O Jornal noticia com certa ironia a desativação do Cine Boreal, nos anos 70.

O Cine Boreal foi inaugurado no nº 4 do Largo São João Batista (Largo do Rudge), mais precisamente na porção conhecida como “Largo da Capela” em 1950. Era um pequeno cinema de bairro com capacidade para 650 pessoas, e pertencia a Geraldo Rosão e Loris B.B. Santarelli. Teve um tempo de vida bastante razoável se levarmos em conta os problemas citados acima, que acabaram com praticamente todos os cinemas de rua. Foi fechado em 1970, e no mesmo prédio, um supermercado foi aberto. O Prédio, sofreu um incêndio em 1988 e foi demolido. Em seu lugar hoje, está uma loja do Pão-de-Açúcar, fechada. Era um marco do Rudge Ramos.

Atualmente, vivemos cercados de informação, ela é bombardeada sobre nossas cabeças, vinda de todas as direções. Estes cinemas, embora para muitos sejam apenas prédios velhos e caídos, foram marcos na vida de muitos São-Bernardenses. Ali, o primeiro beijo, o primeiro filme, um momento inesquecível foi vivido, pois é isto que o cinema proporciona ou proporcionou a muitos de nós, isso sem falar no convívio social. Nestes prédios, pessoas conheciam-se, encontravam-se e viviam amizades e outros tipos de relacionamento, que caracterizam uma comunidade.

Hoje, diante do seu “cinema pessoal”, em casa, você mal conhece o seu vizinho... Tempos modernos?

Fotos e dados: Atílio Santarelli – Em Cinemas Antigos do Brasil (Ver link nos “favoritos” do blog, e não deixe de visitar!)

terça-feira, 21 de julho de 2009

Todos os caminhos levam à Marechal


*Foto: Rua Marechal Deodoro, em 1895 - Autor desconhecido. Parecida com a de hoje?

Caos, degradação urbana, gente em excesso, comércio e mais comércio. Quem passa pela Rua Marechal Deodoro, no coração de São Bernardo do Campo nos dias de hoje, certamente faz isso por obrigação, e não por prazer ou lazer. A rua se transformou em um verdadeiro inferno, e se tornou o coração do centro da cidade, “onde se encontra de tudo” em São Bernardo.


Mas, você pode imaginar como era a Rua Marechal Deodoro... Vejamos... Em 1890? Provavelmente não...

Em 1890, ano em que São Bernardo foi transformada em município por um decreto da nascente república, graças a influência da Família Fláquer, a Rua Marechal Deodoro era uma estrada de terra, com lampiões a azeite pendurados nas proximidades do Largo da Matriz (Praça da Matriz) onde se localizava o parco comércio existente nessa São Bernardo de outrora. Algumas carroças quebravam a monotonia interminável do lugarejo, que na época era uma típica cidade de interior, e ainda por cima, distante de São Paulo. As duas cidades eram separadas por muito mato e por muitas chácaras.

A Atual Rua Marechal Deodoro, era a antiga Estrada de Santos, ou “Caminho Geral de Santos”, que começava na Praça da Sé em São Paulo, e terminava ás margens do Porto de Santos. Por muitos anos, mais precisamente até 1947, para se ir até a baixada santista, passava-se obrigatoriamente em São Bernardo, o que fez florescer na cidade um certo comércio voltado a estes viajantes, principalmente depois das melhorias realizadas no trecho de serra da hoje conhecida como Estrada Velha de Santos.

O Primeiro núcleo populacional de nossa cidade, estava localizado em outro ponto de nosso território no Século XVIII. São Bernardo era uma vila que se formou dentro da Fazenda de São Bernardo, do Mosteiro de São Bento, e essa vila estava localizada na confluência das Avenidas Senador Vergueiro e Kennedy, ás margens do Ribeirão dos Meninos e também da Estrada de Santos. (sim, a Av.Senador Vergueiro também fazia parte do traçado da estrada velha de Santos, mas isso é assunto para outro texto)

Dentro dessa vila, a devoção a Nossa Senhora da Conceição cresceu, graças aos viajantes que pediam proteção a santa no perigoso trajeto entre o Planalto e o Litoral, os moradores tinham vontade de erguer uma capela em louvor a santa, mas não poderiam fazer isso dentro da fazenda do mosteiro. Desta forma, um novo local foi providenciado para a nova igreja: seguindo pela estrada, ou rio acima, em um local plano, uma várzea do Rio dos Meninos localizada em um vale, protegido dos ventos e das tempestades. Que local era esse? A Praça da Matriz oras!

Definido o local para a construção do novo templo (por volta de 1811), resolve-se construir uma pequena capela, para atender os fiéis e receber as missas enquanto a nova igreja não ficava pronta. Essa capela, foi inaugurada em 1812, bem ás margens da estrada de Santos, protegendo os viajantes. (por isso, Nossa Senhora da “Boa Viagem” olha pelos São-Bernardenses, é a nossa padroeira)

A Capela existe até hoje, na Praça da Matriz, bem em frente a atual Marechal Deodoro.

Ainda em 1812, é elaborado o traçado de algumas ruas em torno da atual Praça da Matriz, que dão origem ás primeiras ruas do centro de São Bernardo. Ruas como Rio Branco, Padre Lustoza, João Pessoa e São Bernardo, são traçadas e executadas nessa época.

Em 1814, inaugura-se a nova, e bela igreja de Nossa Senhora da Conceição da Boa Viagem, um templo grandioso para o vilarejo que a abrigava. Em torno da igreja, cresce São Bernardo, agora, freguesia de São Paulo, desde 1812, por ordem do Marquês de Alegrete, desmembrada da Fazenda de São Bernardo.

No Início do Século XX, a rua recebe alterações importantes. A Energia elétrica chega a São Bernardo em 1907, e a rua recebe iluminação e calçamento em seu trecho central, mais ou menos entre pouco depois da atual Avenida Prestes Maia, até a Rua Doutor Fláquer, e no entorno do Largo da Matriz.

No entanto, o local ainda era extremamente pacato, e estava sendo sufocado aos poucos pelo progresso que a ferrovia trouxe ao Bairro da Estação, atual Santo André. Mas em 1922, o então presidente da Província (Governador do Estado) Washington Luiz, com seu lema “governar é abrir estradas”, ordena a reconstrução da Estrada da Maioridade (Estrada Velha de Santos) em seu trecho de serra, a rodovia é pavimentada com concreto, e o pavimento original está ali na serra até os dias atuais. Era a primeira rodovia pavimentada da América do Sul.

A Reconstrução da Estrada, tira São Bernardo de um longo período de “sono profundo”. Os Automóveis, que proliferavam na Capital Paulista, passam a atravessar a cidade todos os finais de semana, levando veranistas e viajantes a Santos. Era comum a parada em São Bernardo para a refeição, o almoço ou jantar, ou um pernoite nas estalagens e restaurantes estabelecidos ao longo da Marechal Deodoro. São Bernardo ganha vida, e visitas ilustres, como a dos Modernistas de 1922, que costumavam passar pela cidade para fazer refeições, ou apenas para apreciar o luar no Pouso Paranapiacaba (casa de pedra) no Alto da Serra.

A Parada mais apreciada pelos viajantes era o “Magnólia”, localizado onde hoje está instalado o supermercado Wal Mart, no final da Rua Marechal Deodoro.

Descrições sobre as paradas em São Bernardo também podem ser encontradas na obra de Zélia Gattai, esposa do eterno Jorge Amado. Seu pai, foi o primeiro automobilista a realizar uma viagem entre Santos e São Paulo a bordo deste tipo de veículo. Zélia também tinha parentes em São Caetano.

Por volta de 1930, já existia todo um comércio formado a disposição dos viajantes que cruzavam a cidade, no entanto, em 1947, durante a administração de Tereza Delta, é inaugurado todo o trecho de Planalto da Via Anchieta e a primeira pista de descida, que na época era feita em mão dupla. A segunda pista só seria inaugurada em 1953. Partindo do Ipiranga, a Via Anchieta corta o velho caminho em diversos pontos, oferecendo uma viagem muito mais rápida e tranqüila.

O Trecho do caminho que passava no meio de São Bernardo, fica reservado ao trânsito local, e o comércio voltado aos viajantes sofre. Depois de 1947, a já Rua Marechal Deodoro, passa a receber apenas o tráfego local da pequena cidade.

No fim dos anos 50, as margens da Via Anchieta começam a receber um sem número de indústrias, que buscam a localização estratégica entre o Porto de Santos e a Capital Paulista, e daí pra frente, São Bernardo não para mais de crescer.

O Patrimônio que caracterizava a principal rua da cidade, vai caindo durante os anos 50 e 60 principalmente, e a rua começa a se tornar o que é hoje. Sai o paralelepípedo, entra o asfalto, sai a tranqüilidade, e entra o ritmo frenético do comércio. Saem os cumprimentos aos conhecidos do dia a dia, e entra a feição sisuda. A Cidade crescia, e a sua memória morria.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

1553?

*Foto: Estação de São Bernardo (atual Santo André) em fins do Século XIX - Por Militão de Azevedo. Você vê algum núcleo urbano em torno da pequena estação? Nem eu!


Quando vejo Santo André comemorando seu aniversário no dia 8 de Abril, considerando que foi a própria vila fundada por João Ramalho, uma certa indignação toma conta do meu espírito, pois quem conhece minimamente a História de nossa região, sabe que isso é “conversa pra boi dormir”, e o pior: Essa História é “martelada” na cuca dos habitantes da cidade vizinha como se fosse a mais absoluta das verdades.

Para contar a História com todos os seus detalhes, devemos voltar a 1532, ano em que a esquadra de Martim Afonso de Souza aporta na atual Cidade de São Vicente, que seria fundada por este, no dia 22 de Janeiro. Martim recebeu uma das capitanias hereditárias que objetivavam a colonização do território, e veio com a sua comitiva conhecer a Capitania de São Vicente.

Ao chegar, a comitiva teria sido abordada em terra por vários índios da nação dos Guaianazes, que estavam dispostos a guerrear com os Portugueses, mas que foram contidos por um homem branco, de barba vasta, e que saiu do meio dos indígenas para a completa surpresa dos lusos. Era João Ramalho, personagem cercado de mistério, que já vivia entre essa nação há anos, e que teria chegado ao nosso país como degredado, ou seja, como criminoso, atirado em nossa costa por alguma embarcação portuguesa. Aqui, João Ramalho cumpria o seu exílio. Esta é a teoria mais defendida pelos estudiosos sobre a chegada do grande personagem da História Paulista em nossas terras.

Depois de acalmar os índios, e de selar a paz entre os lusos e os nativos da terra, João Ramalho apresenta-se aos seus patrícios, e fala a Martim Afonso sobre o reduto em que vivia, no cume da Serra do Mar. Este reduto, segundo alguns, existia desde 1549, e foi oficializado como “Vila” em 1553, mais precisamente no dia 8 de Abril, dia de Santo André, recebendo então o nome de Santo André da Borda do Campo. João Ramalho foi nomeado “alcaide” da vila, um cargo mais ou menos equivalente ao de prefeito.

“Borda do Campo” era o nome que recebia a região que estava ás margens dos Campos de Piratininga, e logo após as matas da Serra do Mar para quem vinha de São Vicente, passando por Piassaguera (atual Cubatão), uma grande área que corresponde mais ou menos ao atual território das sete cidades do Grande ABC Paulista.

Dentro da Vila oficializada por João Ramalho, existia o seu núcleo central, e o colégio dos Jesuítas, fundado oficialmente em 1554, mais precisamente no dia 25 de Janeiro, dia de São Paulo. Na prática, a atual Capital do Estado, era um “bairro” ou “arrebalde” da Vila de Santo André da Borda do Campo.

Em 1560, o governo-geral do Brasil ordena o abandono da Vila de Santo André, alegando que a localidade era muito vulnerável ao ataque de índios inimigos dos portugueses e da nação dos Guaianazes. Entre os inimigos, destacavam-se os índios Carijós, que eram aliados dos franceses que ocupavam a Baía da Guanabara, e que arrasaram a vila em algumas oportunidades, atacando até mesmo o Colégio dos Jesuítas, que por sua localização (no topo de uma elevação, onde hoje está o pátio do colégio, na capital) acabou resistindo ás diversas investidas dos inimigos. Segundo a ordem do governo geral, o “pelourinho”, que era o símbolo que mostrava a quem fosse que a localidade que o recebesse era uma vila oficial (era uma coluna de pedra) deveria ser transferido para o Colégio dos Jesuítas, em São Paulo.

A Outra hipótese para a transferência, teria sido a própria pressão dos Jesuítas, que consideravam Santo André um “antro de perdição”, um local onde os homens viviam em pecado com as índias, uma verdadeira “aldeia de pagãos”. Essas acusações provocaram muitos conflitos entre os clérigos e João Ramalho, que chegou a ameaçar o Padre Manuel da Nóbrega de morte após ser excomungado pelo mesmo.

A Verdade é que João Ramalho nunca aceitou bem a extinção da Vila em que vivia, mas acatou a ordem, e chegou até mesmo a receber um cargo de vereador em São Paulo. Ramalho nunca teria aceito o cargo, e retirou-se para a região do Vale do Paraíba algum tempo depois, onde acabou falecendo por volta de 1580.

A Vila de Santo André da Borda do Campo, desapareceu sem deixar vestígios que indicassem o local exato de sua instalação. A Região como um todo, caiu no abandono, e depois de um tempo foi convertida em uma grande sesmaria (trocando em miúdos: Uma grande fazenda) que doada ao Mosteiro de São Bento, originou duas outras fazendas: São Bernardo e São Caetano, que deram origem aos municípios homônimos.

Mas e a atual Santo André? A Atual Santo André, era um local remoto que abrigava apenas algumas chácaras, fazendas e caminhos de passagem antes de 1867. O Local fazia parte da Freguesia de São Bernardo, instalada em 1812 pelo Marques de Alegrete, e que se subordinava a Cidade de São Paulo. São Bernardo neste período era na prática um bairro da Capital, ou um Distrito isolado, e a atual Santo André, era parte deste – um mero matagal.

Em 1867, a São Paulo Railway inaugura a sua linha férrea entre Jundiaí e Santos. Era a primeira ferrovia construída na Província de São Paulo, e era a concretização de um antigo sonho dos Paulistas: A Transposição da Serra do Mar através de um meio de transporte rápido, seguro e confiável. No Km 53 da linha, é inaugurada a Estação de São Bernardo, pois o local mais próximo dali, era a Vila ou Freguesia de São Bernardo, atual Centro de São Bernardo do Campo.

A Partir da inauguração dessa estação, o lugar, antes deserto, começa a alcançar certa prosperidade por conta da proximidade dos trilhos, que trouxeram o progresso para a região, e cria-se então um novo núcleo dentro de São Bernardo, conhecido como “Bairro da Estação” ou “São Bernardo Estação”.

Em 1890, um decreto republicano cria o Município de São Bernardo, englobando São Caetano (sede da antiga fazenda do Mosteiro de São Bento, e que desde 1877 abrigava um núcleo de imigrantes criado pelo Império, assim como São Bernardo), Pilar Novo, Pilar Velho (Mauá e Ribeirão Pires), Rio Grande (Rio Grande da Serra) e Alto da Serra (Paranapiacaba) além de parte do antigo Município de Santo Amaro e da totalidade do atual Município de Diadema, emancipado apenas na década de 1950.

No início do Século XX, enquanto o Bairro da Estação já abrigava algumas indústrias, e um crescente comércio, a Vila de São Bernardo, núcleo do município, era um lugarejo ermo e rural, graças a decadência do velho Caminho do Mar, sumariamente aposentado após a inauguração da ferrovia entre Santos e Jundiaí. No velho caminho, apenas alguns tropeiros ainda se aventuravam nas perigosas descidas e subidas entre Santos, São Bernardo e São Paulo.

No Bairro da Estação, por volta de 1910, os moradores iniciam um movimento junto a Prefeitura de São Bernardo no sentido de dar uma nova denominação ao que era conhecido apenas por “São Bernardo Estação” ou “Bairro da Estação” ou simplesmente “Estação”, e a escolha destes moradores, recai sobre o nome “Santo André”, nome da pioneira vila fundada por João Ramalho. A Escolha, é aceita, e a partir daí o antigo bairro toma o nome de Santo André e é convertido em Distrito de Paz de São Bernardo.

Os mesmos moradores, sob a égide dos Fláquer, família que dominava a política da região, descendentes do Senador Fláquer, um dos republicanos de Itu, também pressionavam a própria São Paulo Railway, no sentido de alterar o nome da estação para Santo André, pedido que só seria deferido em 1934.

Entre 1910 e 1937, a Vila de São Bernardo, centro do antigo município, perde a sede da prefeitura para a nascente Santo André, mas continua sediando a câmara de vereadores, apesar de gozar de cada vez menos prestígio devido a perda de importância que teve para a nova localidade instalada ás margens dos trilhos. Finalmente, em 1938, o Governador Adhemar de Barros rebaixa São Bernardo da categoria de município, transfere a câmara para o antigo Bairro da Estação, e o então imenso Município de São Bernardo passa a se chamar “Santo André”.

Obviamente, os moradores da vila que sediou o município desde 1890, e que tem origens no século XVIII, revoltam-se contra a medida, e iniciam um movimento objetivando a retomada da autonomia que São Bernardo perdeu. O Movimento, liderado por Wallace Cochrane Simonsen consegue êxito em 30 de Novembro de 1944, quando o interventor Fernando Costa autoriza a criação do Município de São Bernardo do Campo (o “do Campo” homenageia a Borda do Campo. Como já existia um município no Maranhão com o nome São Bernardo, adota-se aqui o “do Campo” para diferenciar a “velha-nova” cidade Paulista da cidade Maranhense – determinação do Conselho Nacional de Geografia). Desta forma, passam a existir duas cidades distintas e autônomas: São Bernardo do Campo, englobando a atual Diadema, e Santo André, englobando as atuais São Caetano, Ribeirão Pires, Mauá e Rio Grande da Serra.

Se você acompanhou o texto até aqui, você merece um desfecho objetivo: Santo André, nasceu em 1910, com a criação do Distrito de Santo André, vinculado ao Município de São Bernardo, ou então, nasceu como cidade apenas em 1938, com o rebaixamento de São Bernardo à condição de vila. Se quisermos buscar uma origem ainda mais antiga, mas não muito correta, Santo André poderia ter nascido em 1867, com a inauguração da Estação da São Paulo Railway.

Já São Bernardo, nasceu em 1812, com o estabelecimento da igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem. Se formos buscar uma origem mais antiga para São Bernardo, e não totalmente incorreta, chegaremos a 1717. Ano de criação da Fazenda de São Bernardo, do Mosteiro de São Bento.

Embora as duas cidades remontem suas origens a Santo André da Borda do Campo de João Ramalho, a verdade é que esta vila, extinta em 1560 se perdeu no tempo sem deixar traços. Sobre a sua localização, só existem hipóteses. Talvez a mais forte seja a de que a vila se localizava ás margens do Ribeirão dos Meninos, onde hoje está o Carrefour Vergueiro, e onde depois ergueu-se a sede da Fazenda de São Bernardo.

Pra finalizar: São Bernardo é a mais antiga cidade do atual Grande ABC, e a atual Santo André, nasceu por conta da ferrovia, e não por conta de João Ramalho. E Fim de papo!

domingo, 19 de julho de 2009

Linha de Montagem - As Greves de 1979/1980

Até a década de 70 do Século XX, São Bernardo do Campo tinha estado em evidência em poucos momentos.

O Primeiro, devia-se a sua própria fundação, em 1553, por João Ramalho, um dos mais importantes personagens da História Paulista. Mas esta “fama” reservava-se aos historiadores e estudiosos em geral, que até hoje levantam questões sobre a localização da vila que foi o embrião da maior parte das cidades que atualmente compõem o chamado “Grande ABC”.

O Segundo momento, foi em fins de 1950, início da década de 60, quando São Bernardo do Campo começa a receber os benefícios de ter o seu território devassado pela Via Anchieta, e por sua própria localização geográfica – entre o Porto de Santos e a Capital do Estado. A Cidade recebe a nascente indústria automobilística nacional, ou melhor, multinacional, história que começa com as pioneiras Varam Motores e Brasmotor (depois Brastemp) que se dedicavam a montar “fuscas” importados da Alemanha.


Mas, partidarismos e preferências políticas a parte, o maior momento “de fama” que São Bernardo enfrentou, começou por volta de 1976, quando o Sindicato dos Metalúrgicos inicia um silencioso movimento dentro das inúmeras fábricas da cidade, objetivando melhores salários e condições mais dignas de trabalho. Isso, em plena ditadura militar.


Os movimentos de fábrica originaram greves intensas que preocupavam os mais altos escalões do Governo Federal, que tentava sufocar as “insurreições” como podia: Na base da pata de cavalo e do cacetete. As Grandes Greves do ABC Paulista, que tinham São Bernardo do Campo como epicentro, mobilizaram a classe artística e intelectual do país, que voltou os olhos para a – na época – cidade industrial localizada nos arrebaldes da Capital Paulista. Ali, essa classe via uma oportunidade política dentro do movimento de operários, que ampliaram a sua visão política, antes local, dedicada aos seus companheiros de fábrica, para os destinos do país, que vivia um regime obscuro desde 1964.


Elis Regina, Dominguinhos, Toquinho, Fagner, entre outros artistas de renome, pisavam no subúrbio industrial, e incentivavam a população do país a olhar com carinho por aqueles operários que desafiavam o poder do país com uma paralização em um dos setores que melhor representava o “milagre econômico”: A Indústria Automobilística.


Entre intelectuais, elogios rasgados ao movimento eram lidos todos os dias do jornal, e São Bernardo do Campo passou a ser objeto de estudos de sociólogos, principalmente os que tinham tendências marxistas, que viam aqui na prática o que Marx pregava em suas mais famosas obras: As Organizações sociais de base, o povo mobilizado, etc. Fernando Henrique Cardoso publica uma obra sobre a cidade e sua classe trabalhadora, um misto de álbum de fotos com um estudo sociológico. (Álbum Memórias de São Bernardo – pode ser encontrado na Biblioteca Monteiro Lobato)


Os mais empolgados, diziam que em São Bernardo processava-se um novo Brasil, e que dali por diante São Bernardo deixava-se de espelhar no Brasil, o que aconteceria, seria exatamente o contrário.

Em São Bernardo, um - inicialmente – acanhado torneiro mecânico ganhava nome dentro do Sindicato dos Metalúrgicos – Luiz Inácio “Lula” da Silva, mobilizava multidões de operários, que gritavam o seu nome, e que “compravam” a luta do sindicato. Na época, cerca de 140.000 operários tocavam a indústria da cidade, que comportava então uma das maiores concentrações fabris do mundo.

Lula e seus companheiros de sindicato, trabalharam dentro dos bairros, mobilizavam associações de moradores, e organizavam uma “retaguarda” competente, com capacidade de levar o movimento grevista adiante, mesmo com os “cabeças” do sindicato encarcerados.


Antes dos metalúrgicos de São Bernardo, funcionários eram sumariamente dispensados, o cumprimento das leis trabalhistas era “letra morta”, e o sindicato dos metalúrgicos era um mero posto médico. Depois de Lula, o sindicalismo ganhou as fábricas, os trabalhadores passaram a ter voz, e uma conscientização política repentina tomou as fábricas do país. Foram 41 dias de greve, que se encerraram em 12 de Maio de 1980. Uma das maiores greves da história do país, movimento articulado com a inteligência do povo, e com o apoio de toda uma nação, que via naquele subúrbio industrial uma chama de esperança em direção da democratização do Brasil.


Deste movimento, saíram novos nomes para a política da Cidade, do Estado e do País. Se foram bons ou maus, caberá a História julgar. No entanto, o julgamento que a História promoveu sobre os seus feitos do passado, inegavelmente tem peso positivo para estes personagens, que certamente entraram para a História do Brasil, e que colocaram São Bernardo do Campo na posição de “território iluminista”.





Será que eles imaginavam o desfecho de tudo isso? Duvido.


Para saber mais:


Linha de Montagem – Filme

Renato Tapajós
1982-2007