sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Turistas em São Bernardo?


* Imagem: Vila Balneária, anos 50 - Acervo Fábio S.Gomes

Há alguns anos, algumas notícias que chegam até os meus olhos noticiam “fabulosos investimentos” no “turismo de São Bernardo do Campo”. O Papo começou a ficar mais “forte” na última administração, e continua nesta, inclusive com uma secretaria dedicada ao tema (não exclusivamente, mas ostenta também o turismo como “bandeira”).

Lembremos: No Início do Século XX, São Bernardo era uma famosa estação de veraneio para famílias de Santos, que aqui possuíam inúmeras chácaras e propriedades. Eles vinham para escapar do rigoroso verão do Litoral, quente ao extremo, e encontravam em São Bernardo um clima mais ameno, com noites bem agradáveis e ás vezes até frias. Desta forma, Santistas tiveram muita influência no crescimento de São Bernardo, fundando bairros, iniciando loteamentos, constituindo diversos empreendimentos. Apenas como exemplo, o atual Bairro Anchieta (o Parque Anchieta, pequena parte do bairro, mais precisamente) foi originalmente um haras (Haras Anhanguera) de propriedade de um Santista, que acabou por iniciar o loteamento do Parque Anchieta. As Árvores que enfeitam o belo bairro, são as que enfeitavam o haras, plantadas pela própria esposa do dono.

Nos anos 40, massifica-se a tradição de vir de São Paulo até as “Colônias” (Bairros Demarchi, Battistini e parte do Bairro dos Casa) para comer frango com polenta. Mas Frango com polenta? Como assim? A Iguaria era quase que um “arroz com feijão” dos Italianos da cidade, que não entendiam como alguém poderia fazer tanto esforço para sair da Capital e ir até aquele “fim de mundo” para saborear uma comida tão simples! Ainda mais a Cidade de São Paulo tendo tantos Italianos quanto São Bernardo! (em proporção)

A Verdade é que alguns enxergaram neste costume uma forma de abrir um novo negócio, e assim as famílias Demarchi, Capassi, Morassi, e outras, acabaram por abrir restaurantes, e passaram a oferecer o vinho que fabricavam, a polenta que faziam com o milho que plantavam, colhiam e moíam ali mesmo, e o frango da galinha que o próprio cliente escolhia no galinheiro. Passava-se o dia todo nas “Colônias”. Hoje a polenta é frita, o vinho é feito com uvas do sul (quando não vem inteiramente processado do Rio Grande do Sul) e o frango deve vir de Santa Catarina. No entanto, o ramo cresceu e São Bernardo abriga o maior restaurante do Brasil, quase sempre lotado e muito famoso. E quem diria: Famoso pelo frango com polenta!

Ainda nos anos 40, e principalmente nos anos 50 e 60, são os pescadores que invadem a Represa Billings. Sábado, á partir das cinco da manhã, já era possível ver gente com linha de pesca e com os caniços de taquara se dirigindo ao “Rio Grande” (Riacho Grande) para procurar um bom lugar e poder passar o dia ali, pescando. Os ônibus que partiam da Capital, principalmente do Sacomã e do Parque Dom Pedro II vinham lotados pra cidade nas primeiras horas do dia. Na hora do almoço, almoçava-se ali mesmo na “Vila Rio Grande”, ou comia-se algo trazido de casa. Os mais “caseiros”, voltavam cedo e almoçavam em casa. Assim, desenvolveu-se todo um comércio voltado a estes pescadores que “invadiam” a cidade aos finais de semana. No Início da Estrada do Rio Acima (Hoje, Rua Rio Acima em seu trecho inicial) as casas de pesca e caça, e na orla da represa, os restaurantes, que também eram ambientes românticos freqüentados por casais do ABC e Capital, que vinham aqui para dançar, ou jantar ás margens do espelho d´agua, principalmente a noite, á luz de velas, nas cantinas que existem (um pouco decadentes) até hoje.

Ah, e iam além, pois já nos anos 60, multiplicavam-se os motéis na Vila Balneária.

Nos anos 70, foi a vez da “farofada” no Parque Estoril, tão menosprezada pela população da cidade que via o operariado das fábricas andando de pedalinho na represa e fazendo grandes piqueniques, principalmente aos domingos, com suas famílias. As Mesmas famílias de operários, ou pessoas de origem mais humilde, freqüentavam também a “prainha” do Riacho Grande nos dias de calor, pois não tinham condições de encarar uma viagem até a Baixada Santista, coisa que é comum até os dias de hoje, mesmo com a represa em condições nada adequadas de saneamento.

Nos Anos 20, com a reconstrução e reforma do Caminho do Mar, e com a pavimentação do trecho de serra, executados na gestão do Presidente do Estado (Governador) Washington Luiz, cria-se em São Bernardo uma estrutura para um “turismo de passagem”, com os restaurantes, bares e pensões ao longo da Rua Marechal Deodoro (que era o Caminho do Mar, e passagem obrigatória para quem viajava entre São Paulo e Santos). No Alto da Serra, o Pouso Paranapiacaba (Casa de Pedra) torna-se um local de contemplação. Era comum a passagem de visitantes por ali durante o dia e durante a noite.

São Bernardo, já teve várias épocas, e vários tipos de turistas, que aproveitavam aqui diversas atrações que o pequeno lugarejo, na época considerado “interior” (contradizendo totalmente o sentido inicial de “interior” – termo usado para designar o que estava além do litoral). Mas hoje, o que sobrou foi degradação, e uma sombra do que tudo isso representava antigamente. Os Pescadores ainda estão aí, os visitantes da Rota dos Restaurantes (ou Colônias) também, mas tudo decaiu.

Quem recebe o turista hoje, são as ruas mal cuidadas do Bairro Demarchi. Esburacadas, feias, sem trato urbanístico, repletas de fiação exposta, poluídas visualmente. Ali, não existe absolutamente nada que lembre o passado do lugar, praticamente nenhum ponto de interesse para o turista, que vê no local apenas uma avenida feia que tem um bom restaurante. Dentro dos restaurantes, as famílias ainda guardam uma lembrança de como era tudo aquilo no passado, mas as administrações municipais, não ajudam.

Na Represa: Poluição, favelas infestando as margens, e nos pontos de passagem dos pescadores (como o porto das balsas), uma infestação de barracas que vendem alimentos e outros gêneros sem a mínima condição de higiene, sem a mínima organização. Os Barracos existem em profusão.

E a Vila Balneária? Quem se aventuraria ali na entrada da Estrada do Vergueiro com aquela invasão terrível que só contribui para a poluição do manancial que fornece a água que bebemos (e a encarece)?

A Prainha do Riacho Grande, tão estragada quanto a Praça Lauro Gomes, só que ainda mais desorganizada. Barracas, camelôs, ruas de terra, e nenhuma infra-estrutura. O Clube de Regatas Lauro Gomes abandonado, sem o remo, enquanto na Capital os remadores só tem a raia olímpica da USP. Será que São Bernardo e o velho Regatas não poderiam sediar um centro de formação de atletas do remo? Esporte outrora tão popular e hoje em plano infinitamente inferior.

Pensar em revitalizar a Vera Cruz, em construir um Museu do Automóvel, são atitudes muito nobres, mas por que não tratar melhor o turista que ainda tenta visitar São Bernardo do Campo? Fazer com que ele conheça a história do lugar? Dar um trato melhor para as ruas, para as avenidas?

Fica a minha humilde sugestão.

Ah, e as famílias de Santos hoje ficam em Santos mesmo.