Pra começar o texto, como sempre dedicado aos que gostam de ler detalhes e pormenores, e não aos que apenas gostam das "pílulas" de informação, deixo o que Ademir Médici escreveu em 1981, na bela obra "São Bernardo: seus bairros, sua gente", da série Cadernos Históricos, que durante a administração Tito Costa publicou as maiores obras já escritas sobre os antecedentes de nossa cidade. Médici fala sobre a "Represa dos Baraldi", ou Represa Baraldi, ou, como a imprensa anda dizendo, "Bairro Baraldi" - No texto de Ademir Médici, faço alguns grifos, que comentarei posteriormente:
"Nas suas colônias perdidas da freguesia de São Bernardo, os Baraldi procuravam cascas de passariúvas, uma matéria-prima excelente para curtir couro. Num carrinho de mão, puxado por homens e animais, as cascas obtidas eram transportadas até o centro de Vila de São Bernardo, de onde, em carroças, eram conduzidas a São Paulo. Nesta época - crepúsculo do século passado - havia muito palmito nas matas do Montanhão. E muita madeira excelente para a construção de móveis, além das passariúvas, naturalmente.
Os Baraldi, descendentes dos primitivos imigrantes italianos que se estabeleceram no Montanhão no século XIX, estão espalhados pelo Grande ABC.
O Montanhão, ao tempo da chegada dos Baraldi, era uma selva cerrada, de acesso difícil e fauna das mais diversificadas.
Os Baraldi, no Montanhão, receberam quatro colônias de seis alqueires cada uma. Uma colônia para cada um dos filhos de Luiz e Catarina Baraldi, todos crianças na época. Ângelo, por exemplo, o pai dos três carvoeiros de Santo André que estão contando todas essas passagens, tinha nove anos quando chegou ao Brasil.
Nas terras recebidas, os Baraldi, além de procurarem cascas de passariúvas, plantavam e criavam animais para o sustento próprio. Tinham como vizinhos outras famílias de imigrantes italianos. Os Pessoni eram os vizinhos mais próximos. Tinha também a família de Jacob Savordelli e a família de Atílio Lui (que mantinha em sua colônia um moinho de fubá). Do lado oposto, onde hoje é o Parque do Pedroso, em Santo André, a família vizinha mais próxima dos Baraldi era a dos Pedroso, família de brasileiros que há muito tinha terras no local.
Sobre os Pedroso, um episódio que Luiz Baraldi escutou de seus pais. Os Pedroso eram donos de aproximadamente 100 alqueires de terras na região e queriam vender suas propriedades. Ofereceram suas terras aos Baraldi pelo preço de um conto de réis. Os quatro irmãos Baraldi (Guilherme, Ângelo, Antonio e José) recusaram a oferta. Principal argumento:
“- Na terra de você tem pouca passariúva”.
Sim, nas terras do Pedroso existiam poucas passariúvas. E a ótima e abundante madeira existente nas terras do Pedroso, excelente para a fabricação de móveis não chamava a atenção dos Baraldi na oportunidade. As fábricas de móveis de São Bernardo ainda não haviam sido fundadas. E quem iria se interessar por aquelas madeiras?
São memórias, recordações de netos e filhos dos Baraldi que, junto com outras famílias, desbravaram o Montanhão. Causos, como eles diziam, que ouviram de seus tios, de seus pais, de seus avós.
Os irmãos Baraldi falavam que, no início deste século, sua família deixou o Montanhão. Mudou para Ribeirão Pires, onde às margens da atual estrada Velha do Mar, a família montou uma serraria. A serraria funcionava no sítio Baraldi, onde havia também boiadas, plantações, etc. O retorno dos Baraldi ao Montanhão ocorreria em 1927, quando os atuais carvoeiros da rua Natal já eram mocinhos.
No retorno ao Montanhão, a procura de passariúva no mato já era uma atividade de há muito abandonada. Os moradores do Montanhão realizavam outras tarefas, como extrair carvão, retirar lenha e derrubar toras, toras nesta época utilizadas na fabricação de móveis.
O retorno dos Baraldi ao Montanhão coincidiu com o início das obras de abertura da represa Billings. Em 1934 as águas da represa já haviam subido bastante. E junto às colônias dos Baraldi os rios naturais já haviam sido inundados. Esta parte da Billings passou a ser chamada de represa dos Baraldi, denominação que persiste até hoje.
Francisco Baraldi diz que a estrada primitiva que ligava o Montanhão ao centro de São Bernardo ia dar na avenida Tiradentes (região da Vila Santa Terezinha), depois de passar pela pedreira que é hoje da Prefeitura e depois de passar por um tanque que era do Italo Cerchiari (atual Vila do Tanque).
Era por esta estrada que nossos antepassados conduziam os carrinhos de mão puxados por burros e transportando passariúvas. Hoje, esta estrada está desativada na sua parte mais afastada, coberta pela vegetação.
Luiz, irmão de Francisco, fala de outra estrada, aberta pela Light quando da construção da represa:
“- É a estrada do Botujuru que vai beirando a represa e que termina embaixo da ponte da Via Anchieta que liga Riacho Grande ao resto da cidade, sobre a Billings”.
Anos depois os Baraldi deixaram o Montanhão. ou pelo menos grande parte da família deixaria o Montanhão. Em 1942, a II Guerra no auge, Francisco Baraldi muda-se para Santo André, para trabalhar em sua carvoaria montada na rua Natal. Luiz, seu irmão, deixa o Montanhão quatro anos depois, para trabalhar com Francisco na carvoaria. Estão no ramo até hoje.
Mais de 100 anos depois, o Montanhão é ainda uma região praticamente desabitada, semi-selvagem, rural, quase estranha aos olhos do resto do Grande ABC. Cascas de passariúvas continuavam existindo em profusão no lugar, apesar de não serem mais colhidas para curtir couro. Pescadores percorreram as matas locais, ainda espessas em busca dos melhores pontos da represa Billings. E o Montanhão, em extensão, suplanta os territórios dos maiores bairros da região."
Fica a reflexão. A Origem do desbravamento do local está ligada ao início do Núcleo Colonial de São Bernardo, estabelecido pelo Império em 1877. De lá, os Baraldi e seus respectivos vizinhos, tais como os Pedroso, que já ocupavam a área anteriormente, exploravam lenha, carvão, e madeira para a fabricação de móveis. Em 1927, a Represa Billings inundou os rios e seus traçados naturais, que ocupavam toda a região.
Hoje, o Ministério Público de Santo André, talvez (e lamentávelmente) desligado das origens daquele lugar decide o fechamento da estrada que dá acesso ao bairro, desde São Bernardo, ficando este ligado apenas a Santo André. Esse processo, que corre desde a década de 1990 já priva os moradores de melhorias na estrada, que chegou a ficar totalmente intransitável e impedida em certos momentos.
Alegam que a estrada aberta, a Estrada do Montanhão, representa um "risco para a natureza". Que natureza? O Isolamento da região até hoje, desde os tempos dos Baraldi, permitiu que a região continuasse com extensas matas preservadas. Isso, apesar da devastação promovida pela construção do Rodoanel (não foi um "risco para a natureza" devassar toda a mata que a obra devassou? Nem assorear os mananciais que ela assoreou?). Tratam a Represa Baraldi como se fosse uma invasão, algo irreal, sendo que é basicamente um bairro de sítios muito bonito por sinal. E a ação do glorioso Ministério Público em torno das imensas invasões que despejam esgotos na represa e que destroem os mananciais? São Bernardo aguarda ansiosamente estas ações! Essas invasões são alvos de grilagem de terras, por parte de pessoas sem escrúpulos que iludem a gente simples da cidade que busca um conforto para si e para seus familiares. Que tal uma ação em torno desses grileiros que empesteiam a cidade com loteamentos clandestinos? Esses loteamentos tem uma consequência nefasta para a cidade, que ao longo dos anos precisa gastar onerosas cifras para regularizar, fazer ligações de água, luz e esgoto e providenciar serviços. Tudo isso sob pesadas multas que partem dos órgãos que deveriam FISCALIZAR, e não PUNIR.
O Baraldi precisa dessa fiscalização! O Risco ali não são os moradores, é a falta de fiscalização que permite o depósito de entulhos nas margens da estrada, e outros VERDADEIROS crimes contra as matas de nossa cidade. Não permitir a ligação de um bairro que começou a se formar nos tempos do Império com o centro da própria cidade, é uma medida que surpreende pela infantilidade, e é um atestado da falta de planejamento que assola todas as esferas da administração pública.
Solução? Simples! Não permitir a expansão do bairro, e FISCALIZAR o depósito de entulhos, a formação de novos núcleos populacionais na região, e outros crimes ambientais. Além disso, dotar a Represa Baraldi de uma pequena estação de tratamento de esgotos, e claro, de serviços básicos.
Com planejamento e fiscalização, a Estrada do Montanhão poderá continuar aberta, como sempre esteve, servindo a população do bairro, como sempre serviu.
*A Imagem é da Estrada do Montanhão. Do Diário do Grande ABC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário