quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Lauristas x Terezistas



Imagens: Tereza Delta e Lauro Gomes - Acervo PMSBC

Em tempos de ebulição política, de discussões polêmicas na câmara de vereadores da cidade, falamos da principal refrega política da História de São Bernardo do Campo, a briga entre os “Lauristas” e os “Terezistas”.

Para o São-Bernardense mais antigo, os dois termos são bastante familiares, mas para os São-Bernardenses de hoje, são definições bem estranhas, mas que definiam muito bem a “bipolaridade” política da cidade em seus primeiros anos de recuperação da autonomia.

Voltemos no tempo: Corre o ano de 1944. Neste ano, São Bernardo recuperaria a sua posição como município depois de travar uma imensa batalha burocrática, a batalha pela sua “emancipação” de Santo André, que havia sido imposta ao município que sempre foi a “cabeça” da região em 1938, debaixo de muitos protestos. O Líder emancipacionista, o banqueiro Wallace Cochrane Simonsen, seria nomeado prefeito da cidade, e lutava para organizar uma estrutura administrativa. Pensem: Não havia sequer uma prefeitura, o governo municipal não tinha nada, nem sede, nem arrecadação, absolutamente NADA!

Daí, podemos imaginar o quão árdua foi a tarefa de Simonsen (ou “Simos”, como os “conterrâneos” chamavam o “inglês”, muito querido pela população). Para complicar, o Brasil atravessava o período da segunda guerra mundial, e o resultado disso era: Escassez de alimentos, que eram racionados, e esse racionamento era controlado pela prefeitura, de maneira não muito organizada, pois os comerciantes colocavam em prática um “mercado negro” de itens de primeira necessidade, que escondiam em seus estabelecimentos e depois vendiam a preços muito elevados. Na lei da oferta e da procura, era assim que o comerciante menos honesto arrecadava mais com o sofrimento alheio. A Prefeitura, fazia o que podia.

Ainda no início dos anos 40, chega a cidade uma família de São Paulo: Maurício Caetano de Castro e sua esposa: Tereza Delta. Uma mulher muito bonita, que tinha como passatempo a equitação, prática que exercia pelas ruas da cidade pacata da época. Tereza e seu marido moravam no atual Paço Municipal, na casa que hoje é a sede da Guarda Civil Municipal. Certo dia, enquanto Tereza cavalgava pela Rua Marechal Deodoro, reza a lenda que um indivíduo teria feito um “gracejo” com a bela moça, Tereza não teria gostado, e desceu para ouvir as explicações do indivíduo, que certamente não esperava aquela reação. Como na cidade pequena de outrora as notícias corriam rápido, logo Tereza ganhou fama de mulher corajosa, que metia medo em muita gente.

Com esta fama, algumas mulheres da cidade foram procurá-la em sua casa, pedindo a sua participação em uma reclamação que fariam a um comerciante, que segundo elas, escondia gêneros alimentícios em sua “venda”. Tereza aceitou, e junto com as tais mulheres, entrou porta adentro intimando o comerciante, que intimidado “fez aparecer” várias latas de óleo. Com essa atitude, Tereza foi alçada a uma posição que ela mesma não esperava alcançar: A de mulher batalhadora, preocupada com o povo, e com muita fibra. Foi a “deixa” para a intrépida mulher se envolver na agitada política local.

Pouco depois, Tereza seria nomeada prefeita de São Bernardo do Campo, mais precisamente em 1947. Depois foi eleita vereadora, e foi presidente da casa, que governou com astúcia, habilidade, e principalmente com muito conhecimento do regimento interno. As sessões na época eram bastante concorridas pela população, que comparecia em peso à sede da antiga câmara, na Rua Marechal Deodoro, instalada em um salão cedido pela Família Pelosini.

Com Tereza, muitos políticos “forasteiros” ascenderam na política local, em detrimento aos políticos tradicionais do lugar, o que obviamente gerou descontentamento e uma oposição ferrenha, que não trazia problemas, pois José Fornari governava com maioria na câmara, liderada por Tereza.

Com este conforto, Tereza prepara a candidatura de seu irmão, Edmundo Delta para as eleições municipais de 1951. No entanto, elementos do Partido Trabalhista Brasileiro, que compunha a oposição aos “Terezistas”, movimentavam-se nos bastidores, e fariam aparecer o nome de um novo elemento da política municipal: Lauro Gomes de Almeida. Mas afinal, quem era este Lauro Gomes que registrou a sua candidatura por procuração? A População, ávida por informações, já sabia que ele estava em Paris, em viagem de férias com sua esposa, e que este era genro de Arthur Rudge Ramos, diretor de um grande frigorífico na Capital, Mineiro da cidade de Rochedo, e herdeiro da fabulosa Chácara Rudge Ramos, local que conta com uma porção preservada, e que estava localizado na atual divisa entre o Rudge Ramos e o Taboão, nas proximidades da fábrica da Ford.

A Curiosidade tomou conta do São-Bernardense, que via todos os dias nos jornais da Capital, a propaganda eleitoral do misterioso candidato, que foi então recebido em São Bernardo com a maior das festas. Sua fala grave, seu porte avantajado, tudo isso cativava por demais a população. Lauro Gomes é eleito, e dá início ao “Laurismo”, como ficou conhecida a corrente dos opositores de Tereza Delta, os “Terezistas”.

Em nome desta preferência política, muitas discussões acaloradas aconteceram nos bares da cidade, nas conversas familiares, nos estabelecimentos comerciais, enfim, em todos os locais da cidade. A “Briga” era algo que realmente dividia São Bernardo do Campo nos anos 50.

Lauro Gomes a frente da prefeitura, não ficou conhecido por um político que tinha o “trato” das campanhas com a população, mas iniciou uma gestão que começou a pensar na São Bernardo do futuro, e graças aos esforços empreendidos por ele nos bastidores, algumas montadoras como a Volkswagen escolheram a posição privilegiada de São Bernardo, entre o porto e a capital, para se instalar.

Asfalto, praças, jardins, escolas, postos de saúde... Um prefeito de indiscutíveis obras e de uma vida bastante obscura e conturbada. Praticamente um personagem folclórico da cidade.

Mas pouco antes, ainda em 1950, uma cisão na câmara entre os Terezistas e a oposição, que ainda não era Laurista, teve um desfecho trágico. Tereza saía da sede do partido, nas proximidades do Grupo Escolar (atual Praça Lauro Gomes) quando sua comitiva é abordada por oposicionistas. Começa ali uma discussão, fervorosa, que partiu para as bofetadas. Logo depois, de trás do muro do Grupo Escolar, são disparado tiros. Todos correm. Tereza se salva, mas seu segurança estava morto. O Caso nunca foi completamente esclarecido, e o episódio manchou a curta história política da cidade que recomeçava a traçar os seus destinos. A Imagem de “heroína” e de “protetora dos pobres” fica ainda mais fortalecida, e a fama de rebelde de Tereza, uma pioneira, como a “caudilha de São Bernardo” fica gravada na história.

Lauro foi reeleito prefeito, e morreu, segundo alguns, na cama de sua amante, de um ataque cardíaco. A Versão oficial diz que Lauro morreu no Jóquei Clube de São Paulo, em uma disputa de páreos. Nesta época, já nos anos 60, Lauro Gomes governava a vizinha Santo André, que praticamente suplicou ao prefeito que se tornasse candidato naquela cidade. Lauro aceitou, mas nunca completou o mandato.

Já Tereza deu prosseguimento a sua carreira no legislativo, foi vereadora por diversas vezes, e alcançou a Assembléia Legislativa do Estado. Se afastou da vida pública nos anos 60, dedicando-se a empresa que possuía.

Tiros, atentados, greves diversas, redemocratização... Até o voto fantasma na câmara de hoje...
São Bernardo e a sua conturbada política...

* Bibliografia Consultada: Vila de São Bernardo – Attílio Pessotti

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